Viajar pra dentro



O relógio marcava 15:30 quando entrei na sala da psicóloga para mais uma sessão de terapia. Sentei no sofá azul marinho, coloquei a bolsa de lado e abracei a almofada - como faço toda semana.

- Como você está? - Ela perguntou. Respirei fundo por alguns segundos. Nunca sei por onde começar.

- Sufocada. Parece que o mundo está desabando. - Respondi.

Colocar os sentimentos pra fora nem sempre é fácil. Às vezes formular as frases corretamente parece uma missão muito complexa. Difícil não é sermos sinceros com uma pessoa desconhecida da qual não sabemos nada a respeito, mas sim sermos sinceros com nós mesmos.

Tenho um ritual de terapia. Toda semana, no ônibus, à caminho do consultório, coloco os fones de ouvido e dou play em alguma música que reforce meu estado de espírito - se estou triste, é uma música de fossa; se estou feliz, um reggaeton. E enquanto o ônibus avança em seu trajeto eu vou pensando "sobre o que eu vou falar hoje?". Repasso mentalmente os acontecimentos da semana, e quais são importantes ao ponto de merecerem ser trabalhados em terapia. Busco associações desses sentimentos com episódios anteriores, analiso o que penso sobre eles. Às vezes até ensaio um discurso para não esquecer de falar nada. E, mesmo assim, quando chego lá tudo é diferente. Às vezes passo 30 minutos falando sobre o tópico inicial que eu planejava falar por apenas 5, ou durante o relato acabo tendo um insight sobre outro assunto que desvia todo o foco do dia. Faz parte. Nossos sentimentos não gostam de seguir roteiros.

E depois, ao fim, o trajeto de volta pra casa é repensando os pontos mais importantes trabalhados, as conclusões a que cheguei, as palavras sábias e oportunas da psicóloga. Às vezes até abro o bloco de notas do celular e rabisco algumas coisas muitoimportantesquenãopossoesquecerdejeitonenhum. Sempre retorno pra casa pensando "caramba, foi tão bom hoje!". É impressionante o fato de que quando você, antes de sair de casa, pensa em ligar desmarcando porque não tem nada muito importante pra falar naquela semana, acaba sendo uma das sessões mais intensas e que aborda os assuntos mais complicados, aqueles que você carrega a vida inteira empurrando pra baixo do tapete ou trancando de chave numa gavetinha, porque dói demais tocar nessas feridas.

Comecei terapia aos 19 anos, quando desenvolvi um quadro de início de depressão, e hoje, aos 24, me encontro mentalmente saudável, mas sigo em terapia porque acho essencial para me entender, olhar pro interior, cuidar de mim. É difícil até pensar em quem eu era antes da terapia, ou como eu lidava com os problemas na época. O crescimento e amadurecimento que a psicologia me proporcionou são imensuráveis. Viajar pra dentro será sempre nossa melhor e mais importante viagem.

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