Um passaporte, uma mala, uma almofada de pescoço


Sentindo o estômago embrulhar de ansiedade, ela ia anotando em sua lista as coisas que ainda precisava comprar para levar na viagem. Antialérgico, analgésico, álcool gel, condicionador, luvas e meias. Por um momento pensou em escrever "almofada para pescoço". O lápis ficou parado em cima do papel por alguns segundos enquanto ela decidia se escrevia ou não. Sempre foi seu desejo ter uma almofada daquelas, entretanto, nas poucas vezes na vida que ela teve a oportunidade de viajar, sempre descartava a vontade de comprar porque considerava não tão necessário assim. A almofada daria mais conforto, porém, não dava pra morrer se não a tivesse. Pensando que o dinheiro seria mais útil na viagem em si, ela sempre escolhia poupar, deixar este desejo para um futuro próximo, que nunca chegava.

Incapaz de decidir se escrevia ou não a almofada na lista, se deixou distrair por sua mãe que entrara no quarto perguntando se ela lembrou de separar a bota para por na mala. Ela respondeu que sim. Ainda faltava uma semana para a viagem, mas a ansiedade já a corroía. Fazia meses que estava planejando este momento. Então ela olhou o relógio casualmente e deu um pulo da cama, pois percebeu que estava atrasada. Tinha marcado de encontrar um antigo amigo, muito querido. Há quase dez anos eles se conheceram pela internet, mas nunca pessoalmente, pois moravam em estados diferentes. Naquele dia, pela primeira vez, o amigo estava em sua cidade e eles finalmente iam poder se abraçar e passar algumas horas juntos. 

Ela tomou um banho rápido e pegou o próximo ônibus que a levou até o local marcado, a praia.
Deram um abraço apertado e demorado. Entre sorrisos começaram a caminhar pela beira mar enquanto conversavam, e seu amigo lhe contava as aventuras de suas inúmeras viagens: Paris, Roma, Egito, Taiwan... tantos lugares, tantas histórias. A cada relato os olhos dela brilhavam mais.

- Sabe, viajar pra mim é muito mais que um sonho. É um plano para o futuro - Ela disse, mais para si mesma que para seu amigo.
- Por que futuro? - ele perguntou. - Por que você não começa a viver isso agora?
- Bem queria, mas não tenho recursos financeiros - respondeu. - No entanto, quando concluir meus estudos e começar a trabalhar, ganhar meu próprio dinheiro, viajar será minha prioridade. E escreva o que eu digo: vou conhecer todas as capitais do Brasil e rodar o mundo.


O amigo aplaudiu seus planos e determinação, e os reforçou contando sobre como viajar causa transformações na vida e no ser. Ela guardou aquilo, não no pensamento, mas no coração. Depois de uma tarde gostosa de conversas e risadas, ela levou o amigo ao aeroporto e se despediram. De lá ela pegou um metrô até o shopping mais próximo. Inspirada pelo amigo e decidida, comprou a tal almofada de pescoço. Uma muito bonita, como sempre havia desejado; pink com estampa floral, que custou bem menos do que ela esperava. Enquanto caminhava pelo shopping, sempre que olhava para a sacola na mão e a via dentro, ela era inundada de felicidade. Se sentiu boba por ter ficado tão feliz ao comprar algo tão simples e barato, mas depois de sentir tal euforia diversas vezes ela então compreendeu: a felicidade não estava ali por causa da almofada, mas por tudo o que ela representava.

Viajar, para ela, não era coisa de se fazer nas férias ou feriados, uma vez ao ano. Não era um descanso, uma aventura tampouco. Era um estilo de vida. E depois de tanto sonhar, decidiu adotar este estilo como seu. Não comprou, portanto, a almofada para esta viagem específica que ela faria em sete dias. Comprou para todas as outras que viriam pela frente. Comprou não na esperança, mas na certeza de que essas viagens não se demorariam. Pensou então que, se pretendia seguir a profissão de viajante, precisaria ter os instrumentos de trabalho necessários: um passaporte, uma mala, uma almofada de pescoço, um mapa, fones de ouvido e determinação. Além, é claro, da coragem e ousadia que se é necessária para viver seus próprios sonhos.

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