Talvez não importe mais


Aquele era o último dia dela com 20 anos. Em poucas horas o relógio iria marcar 00:00 e ela teria 21. Como sempre fez, todos os anos, ficou rebobinando sua vida, desde seu último aniversário até ali. Ela gostava de fazer um balanço de tudo o que havia acontecido, fosse bom ou fosse ruim, durante aquela idade específica. Gostava de perceber o quando havia amadurecido, e o quando aquela pessoa que ela olhava no espelho era diferente da pessoa que ela lembrava ser 365 dias atrás.

Ela lembrou de como sentiu uma responsabilidade enorme nas costas quando completou 20 anos. "Segunda década de vida inaugurada! Agora não estou mais na casa dos teens, preciso começar a deixar a adolescência de lado e me tornar uma mulher adulta!" Ela achou graça dessa lembrança, pois na época ela estava meio apavorada com a ideia de se tornar uma adulta, e agora as coisas pareciam tão naturais. Três meses antes ela estava observando um grupo de adolescentes interagir e não conseguia se ver como parte daquilo. Pela primeira vez percebeu que não era mais uma adolescente, e não foi nada aterrorizante. Ela não ficou triste em perceber que agora achava chato as brincadeiras bobas que os adolescentes faziam, mesmo lembrando que há pouco tempo gostava bastante. No final das contas, amadurecer nem é tão difícil assim. E tornar-se adulto não parecia ser coisa de outro mundo como ela imaginava.

Mas alguma coisa ainda estava incomodando. Ela não sabia bem o quê, mas sentia um aperto no coração sempre que lembrava que em poucas horas faria 21 anos. E não, não era medo de envelhecer e assumir responsabilidades da vida adulta; quanto a isto ela estava bem tranquila. E então, vasculhando a memória por mais cenas dos seus aniversários anteriores, ela lembrou. E finalmente entendeu o que era que tanto a incomodava. O que era que, na verdade, a machucava sem ela nem perceber. Sentiu o coração apertar, e deixou as lágrimas escorrerem, pela primeira vez em meses.
Aparentemente, não importava o quanto ela se esforçou para prender esse sentimento, para juntar os pedaços do coração partido. Não importava quantas vezes ela mentiu para si mesma que estava bem, também não importava que em algum momento ela começou a acreditar que realmente estava bem. Não importava o quanto ela se sentia mais madura depois de tudo o que aconteceu, e o quando ela havia lutado para conseguir dizer "eu já superei", como havia dito duas semanas antes ao seu terapeuta. No final das contas, nada disso importava, pois ela percebeu que seu coração ainda doía (ei! que surpresa, você ainda é capaz de doer!), e que bem lá no fundo, escondido num porão escuro e frio, estava aquele único desejo que ela iria fazer quando apagasse as velas, e sabia que as possibilidades de se realizarem eram mínimas. Porque não importava quantas vezes ela acreditou que realmente estava seguindo em frente; lá no fundo, tudo o que ela queria era receber uma ligação dele de feliz aniversário.

Não, essa ligação não iria acontecer. E ela sentia que o aniversário não seria feliz. Mas enxugou as lágrimas e disse a si mesma que não ia desistir. Talvez no de 22 tudo isso não importe mais.

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